Redescobrindo Sabores e Nutrientes Esquecidos

Como Plantas Alimentícias Não Convencionais Podem Transformar Seu Cardápio e Sua Saúde

O que antes era visto com desdém e chamado de mato, na verdade, pertence ao grupo das Plantas Alimentícias Não Convencionais, conhecidas como PANCs. Esse conceito foi introduzido pelo botânico e pesquisador Valdely Kinupp. Graças ao trabalho dedicado de hortelões urbanos, espaços antes negligenciados, como terrenos baldios, praças públicas e até coberturas de edifícios, estão agora se transformando em verdadeiros jardins produtivos. Essas áreas urbanas estão repletas de plantas ruderais, que são aquelas que surgem espontaneamente em frestas de calçadas, calhas e até em vasos esquecidos. Essas plantas, muitas vezes ignoradas, também fazem parte do vasto universo das PANCs.

À medida que as PANCs ganham popularidade, elas estão sendo cada vez mais incorporadas à culinária de chefs que promovem uma alimentação natural e saudável. Além de oferecerem sabores novos e únicos, essas plantas são ricas em proteínas e minerais, contribuindo para uma dieta mais equilibrada e nutritiva. “Muitas plantas que não consideramos como alimento são amplamente consumidas em outras culturas. As plantas que crescem espontaneamente são, na maioria das vezes, comestíveis. No entanto, é essencial consultar guias de identificação para garantir que estamos consumindo as espécies corretas”, orienta Neide Rigo, nutricionista e autora do blog Come-se.

Embora algumas espécies exóticas possam ser tóxicas, a boa notícia é que o preparo adequado pode minimizar os riscos de intoxicação. Cozinhar essas plantas tem três funções principais: aumentar a digestibilidade, tornando as fibras mais macias; eliminar compostos antinutricionais ou tóxicos, que são destruídos pelo calor; e remover substâncias solúveis indesejáveis, que são liberadas na água do cozimento, a qual deve ser descartada. Guilherme Reis Ranieri, gestor ambiental e mestrando em Ciência Ambiental pela USP, e autor do blog Matos de Comer, reforça a importância de conhecer o preparo adequado dessas plantas para evitar problemas.

É SEGURO CONSUMIR?

Muitas PANCs podem ser consumidas cruas, como a capuchinha, cujas folhas e flores são frequentemente utilizadas em saladas. Outras opções deliciosas incluem o almeirão-do-mato, a beldroega, a serralha, o feijão-de-asa, o radite e a capiçoba. Para os que apreciam sabores mais amargos, o dente-de-leão e a serralhinha são excelentes escolhas.

No entanto, algumas PANCs requerem cuidados no preparo. Espécies como taioba, inhame, cará-moela, feijão-mangalô, trapoeraba, bredo e espinafre silvestre precisam ser escaldadas ou cozidas antes de serem consumidas. Folhas de batata-doce, brotos de abóbora e chuchu, além de bertalhas e folhas de bredo, ficam saborosos quando refogados. Ranieri sugere que, embora algumas plantas, como o picão e a tanchagem, possam ser consumidas cruas, elas se tornam muito mais agradáveis ao paladar após o cozimento. Plantas de sabor mais neutro, como a trapoeraba e a ora-pro-nóbis, são ótimas em massas, molhos e acompanhamentos, mas geralmente não agradam quando consumidas sozinhas. Entre as PANCs de sabor mais intenso, destacam-se o mentruz e a capuchinha, na categoria dos picantes, e a azedinha, junto com os trevos e as flores da begônia, entre as azedas. Na categoria de plantas que produzem uma sensação “tremelicante” na boca, o jambu é o grande destaque.

Entre as PANCs utilizadas como temperos, Ranieri recomenda a buva, a erva-de-santa-maria e a quirquinha, que são muito comuns na culinária mexicana, mas ainda pouco exploradas no Brasil. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) oferece a cartilha Hortaliças Não Convencionais, que traz orientações detalhadas sobre o cultivo e o preparo de diversas PANCs. Conhecer as características de cultivo e as formas de aproveitamento dessas plantas pode abrir novas possibilidades culinárias e contribuir para uma alimentação mais diversificada e saudável.

CAPUCHINHA (Tropaeolum majus)

A planta, adaptada a climas mais frescos, destaca-se especialmente no inverno, exibindo folhagem arredondada e uma floração vibrante. Com seu porte rasteiro e rápido crescimento, é uma escolha excelente para quem deseja criar um jardim comestível. Suas folhas, que possuem um sabor picante semelhante ao do agrião, são deliciosas e versáteis na culinária. Além disso, suas flores também são comestíveis, e as sementes podem ser preservadas em conserva, lembrando o sabor das alcaparras.

Na cozinha, essa planta pode ser usada de várias formas, como em saladas frescas, omeletes nutritivos e até em massas, adicionando um toque único de sabor. É uma espécie que se multiplica com facilidade, tanto por sementes quanto pela divisão de touceiras no início do outono. Uma vez plantada, ela deixa uma quantidade significativa de sementes no solo, garantindo que brote novamente de forma espontânea na próxima estação.

Para o cultivo ideal, a planta prefere solos férteis e soltos, que permitam uma boa drenagem, além de necessitar de irrigação regular. Apesar de sua adaptabilidade, ela não se desenvolve bem em áreas muito secas. Esse cuidado com a irrigação é essencial para que a planta mantenha seu vigor e produza folhagens e flores em abundância. Com essas características, essa planta não só embeleza o jardim como também oferece uma fonte contínua de ingredientes frescos e nutritivos para a sua cozinha.

Além disso, essa planta pode ser uma excelente adição em projetos de paisagismo comestível, onde a estética e a funcionalidade andam de mãos dadas. Com suas folhas verdes vibrantes e flores coloridas, ela contribui para um jardim visualmente atraente, enquanto suas propriedades comestíveis agregam valor ao cultivo. As flores podem ser utilizadas como decoração comestível em pratos gourmet, e as sementes em conserva podem ser armazenadas para uso futuro, garantindo que os sabores da estação sejam apreciados o ano todo.

Essa planta é um verdadeiro presente da natureza para os jardineiros e cozinheiros que buscam unir o útil ao agradável, cultivando uma planta que não só embeleza o ambiente, mas também proporciona ingredientes frescos e nutritivos, incentivando uma alimentação mais natural e consciente. A facilidade com que se propaga torna-a uma escolha prática e econômica para quem deseja investir em um jardim sustentável e repleto de sabores.

GALINSOGA (Galinsoga parviflora)

A erva espontânea comestível, conhecida também como fazendeiro ou guasca, é uma planta comum em jardins e hortas, frequentemente vista brotando em calçadas e outros ambientes urbanos. Pequena e delicada, essa planta de ciclo curto se desenvolve rapidamente, completando seu ciclo de vida em poucas semanas. Antes de murchar, ela deixa várias sementes no solo, garantindo que novas mudas apareçam espontaneamente. Suas flores, que se assemelham a pequenas margaridas brancas, conferem um charme sutil ao ambiente.

Apesar de sua aparência frágil, o sabor dessa erva é surpreendentemente forte e aromático. Quando cozida, seu gosto se aproxima ao da alcachofra, tornando-se uma adição valiosa para sopas, caldos e risotos, onde seu sabor robusto pode se destacar. Para o cultivo ideal, essa planta prefere pleno sol e se adapta bem a qualquer tipo de solo, embora solos férteis, enriquecidos com esterco e bem irrigados, favoreçam um crescimento mais vigoroso.

É recomendável colher as folhas antes da floração, enquanto ainda estão grandes e tenras, para aproveitar ao máximo seu sabor e textura. Uma vantagem dessa planta é que suas sementes podem ser facilmente encontradas em áreas urbanas, como ruas e parques, permitindo que qualquer pessoa possa cultivá-la em casa com facilidade. O seu cultivo é uma ótima forma de introduzir um ingrediente fresco e pouco convencional na cozinha, incentivando o uso de plantas locais e sustentáveis.

A guasca, além de ser uma planta de fácil cultivo e manutenção, também é um ótimo exemplo de como plantas espontâneas podem ser valorizadas na culinária, oferecendo sabores únicos e enriquecendo a biodiversidade dos jardins urbanos. Seu cultivo não só proporciona uma fonte de alimento fresco, mas também contribui para a conservação de espécies nativas e o fortalecimento da conexão entre o ambiente natural e a alimentação cotidiana.

ORA-PRO-NÓBIS (Pereskia aculeata)

Esse tipo de cacto primitivo, que se destaca por ainda possuir folhas, é conhecido por seu crescimento vigoroso e pode atingir um porte considerável, muitas vezes comportando-se como uma trepadeira. Suas características fazem com que ele seja uma excelente opção tanto para cercas vivas, graças aos seus espinhos perfurantes, quanto para a ornamentação, devido à sua exuberante floração anual.

Além de seu valor estético e utilitário, as folhas desse cacto são comestíveis e possuem um sabor suave e uma textura macia. Elas são nutritivas, ricas em fibras, vitamina A e com um bom teor de proteínas. Tradicionalmente, essas folhas são cozidas junto a grãos, carne de aves ou utilizadas no preparo do pirão, resultando no chamado “angu verde”. Também podem ser consumidas cruas ou em sucos verdes, embora seja importante combiná-las com ingredientes ácidos para evitar que adquiram uma textura escorregadia.

Essa planta é especialmente produtiva, oferecendo folhas durante todo o ano, com exceção dos meses de estiagem nas regiões mais secas do país. Com a chegada da primavera, ela rebrota com vigor, assegurando uma colheita contínua. A multiplicação da planta é simples e eficiente: basta plantar estacas, mesmo sem folhas, para obter novas mudas.

A versatilidade desse cacto primitivo não se limita apenas ao cultivo e ao consumo. Ele também é uma escolha inteligente para paisagistas e jardineiros que buscam espécies multifuncionais, capazes de oferecer tanto benefícios práticos quanto beleza ao jardim. Ao integrar essa planta no seu espaço verde, você estará adicionando um elemento que une o rústico ao funcional, enriquecendo tanto a estética quanto a utilidade do ambiente.

PEIXINHO (Stachys byzantina)

Essa planta pequena, frequentemente utilizada no paisagismo, é conhecida por suas folhas delicadas, macias e peludas, que lembram as orelhas de coelho. Também é chamada de pulmonária. Na culinária, suas folhas são versáteis e podem ser preparadas fritas e empanadas, adquirindo um sabor semelhante ao do peixe frito. Além disso, ela é ideal para receitas de tortas e pode até substituir a massa em lasanhas devido à sua textura ‘grossinha’ e suculenta.

Seu cultivo é extremamente fácil: a planta prospera sob pleno sol, em solo fértil e com regas periódicas, formando rapidamente uma moita densa. A multiplicação é simples, sendo feita por divisão da touceira, o que permite expandir o cultivo com facilidade. Esta planta não só contribui para a beleza do jardim, mas também oferece uma opção culinária interessante e nutritiva, tornando-se um excelente complemento para qualquer espaço verde.

SERRALHA (Sonchus oleraceus)

Essa erva espontânea é bastante comum em roças, parques e até mesmo em calçadas, sendo facilmente identificada por suas folhas serrilhadas, flores amarelas e sementes que se dispersam pelo vento. Embora solte um leite quando cortada, não é tóxica e pode ser utilizada como substituto da escarola ou da alface, apresentando um sabor amargo suave.

Quando refogada com alho, essa erva se torna um ótimo ingrediente para pizzas, pastéis e empadas, adicionando um toque especial aos pratos. Sua propagação é simples: basta coletar sementes de áreas urbanas ou rurais e semeá-las. A planta se adapta bem a solos soltos e não requer alta fertilidade, facilitando seu cultivo em diversos tipos de solo.

TAIOBA (Xanthosoma sagittifolium)

Essa planta, que prospera em ambientes úmidos, é ideal para cultivo em vasos e locais sombreados, destacando-se por suas grandes folhas em forma de coração. Ela se adapta a qualquer tipo de solo, desde que não seja seco, e é bastante resistente, com pouca incidência de doenças.

As partes comestíveis incluem as folhas e o rizoma, que lembra um inhame e é conhecido como mangará em algumas regiões. Para o preparo, as folhas devem ser cozidas após a remoção das nervuras mais grossas e o escaldamento em água fervente, o que garante que a planta esteja segura para consumo e livre da sensação de “pinicar” a língua. É essencial não consumir a planta crua.

Essa espécie produz ao longo do ano, exceto durante os meses de estiagem nas regiões mais secas, abrangendo todo o país de norte a sul. A planta oferece uma excelente opção para jardins sombreados e ambientes úmidos, sendo uma adição nutritiva e fácil de cultivar.

TANSAGEM (Plantago tomentosa)

Esta planta espontânea é frequentemente considerada uma erva-daninha, mas possui um valor medicinal significativo e é uma hortaliça nutritiva. Rica em minerais e fibras, tem propriedades digestivas e cicatrizantes. Suas folhas apresentam de cinco a sete veios e a planta se multiplica facilmente, com sementes abundantes produzidas durante o verão e o outono.

Ela prefere solos férteis, úmidos e levemente sombreados, onde se torna mais macia e saborosa. As folhas jovens são ótimas para consumo direto em saladas, enquanto as folhas maiores e mais fibrosas devem ser finamente cortadas. Quando refogadas, elas oferecem um sabor que lembra a combinação de couve e cogumelo, tornando-as uma adição deliciosa a diversos pratos.

Texto Amanda Agutulli

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